O nascimento de gêmeos siameses ocorre devido a uma falha na divisão dos embriões de gêmeos univitelinos, formados pela divisão de um mesmo zigoto. Como resultado desta má formação, os embriões passam a compartilhar órgãos e/ou partes do corpo.
Craniópago define uma anomalia congênita em que gêmeos são unidos pela cabeça.
Assim, as craniópagas Maria Ysadora e Maria Ysabelle de dois anos, naturais de Patacas – CE, passaram por um processo envolvendo cinco cirurgias para separá-las. As meninas nasceram unidas pela parte superior do crânio, apesar de possuírem cérebros e vasos independentes.
O plano para a separação das irmãs foi inédito no Brasil. Aconteceu no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e contou com uma ampla equipe de profissionais da saúde para a sua realização. O processo todo terminou no dia 28 de outubro de 2018, e o custo das cirurgias ficou em torno de 100 mil reais coberto inteiramente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esse custo demonstrou uma exorbitante diferença quando comparado com o preço em outros países, em que pode chegar a 2,5 milhões de dólares.
As Cirurgias
O procedimento foi dividido em cinco etapas, com cinco cirurgias em um intervalo de cerca de 2 meses entre elas. A equipe que concretizou a separação incluía cerca de 30 profissionais da saúde, sendo neurocirurgiões, anestesistas, cirurgiões plásticos, cirurgiões craniomaxilofaciais, intensivistas, enfermeiros, entre outros. Tiveram como chefe da equipe o neurocirurgião Dr. Helio Machado que obteve o auxílio do médico estadunidense Dr. James Goodrich, cirurgião do Montefiore Medical Center em Nova Iorque, especialista em casos como esses.
Inicialmente foi necessária uma pesquisa aprofundada sobre a fisiologia específica das gêmeas. Esse estudo foi feito através de imagens de ressonância magnética e do cateterismo das irmãs, exames realizados no HC de Ribeirão Preto. Com os resultados dos exames, a equipe do Dr. James Goodrich desenvolveu um projeto em impressão 3D realizado em acrílico, do crânio das pacientes, possibilitando uma melhor preparação e planejamento da equipe médica.
A primeira etapa, que durou por volta de 7 horas, teve como objetivo expandir a pele e separar vasos sanguíneos de cada uma, com o cuidado para não seccionar inadvertidamente algum vaso.
Cerca de dois meses depois, as gêmeas foram submetidas à segunda etapa, que consistiu também na separação de vasos sanguíneos e durou em torno de 8 horas.
Durante a terceira etapa, também realizada no período de 8 horas, além da separação de outros vasos, ocorreu a disjunção dos cérebros. Essa foi a etapa mais complexa, considerando a sobreposição de massas cerebrais. Após esse procedimento 80% dos cérebros, veias e artérias já estavam separados.
Na quarta etapa, realizada em 5 horas, foram colocados nas pacientes 4 expansores subcutâneos para que a pele criasse elasticidade e pudesse cobrir completamente o crânio de cada uma ao final da última etapa. Os expansores foram posteriormente inflados com soro fisiológico, através de uma válvula sobre a pele para que aumentassem o volume e distendessem o tecido cutâneo.
O quinto e último passo foi a separação completa das gêmeas. Tal cirurgia inédita no Brasil, durou cerca de 20 horas e contou com uma equipe de saúde de 30 pessoas, incluindo 3 profissionais da equipe do cirurgião americano Dr. James Goodrich para acompanhar a cirurgia.
No primeiro momento realizou-se a separação final dos vasos e em seguida foram separados os ossos do crânio e as meninges, as quais são estruturas responsáveis pela proteção do sistema nervoso central, além dos demais tecidos que as meninas tinham em conjunto. Após, deu-se início o processo de reconstrução do crânio individual das gêmeas, onde foram fechadas as meninges, o osso e o crânio de cada uma foi coberto por pele. Entretanto, não foi possível cobrir completamente a cabeça de Ysabelle, por isso, sua região occipital do crânio encontra-se protegida por uma membrana composta por colágeno. Futuramente, será realizado um enxerto para cobrir a região.
Recuperação
As gêmeas responderam bem às cirurgias ao longo das cinco etapas. Foram encaminhadas para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica do Hospital das Clínicas ao final de cada uma delas e mostraram boa evolução clínica.
Ao término da quinta etapa, as meninas passarão ainda por um longo período de recuperação, seguidas da reabilitação no HC de Ribeirão Preto, ainda sem uma data prevista para voltarem para casa.
As gêmeas Maria Ysadora e Maria Ysabelle agora separadas, estão se desenvolvendo de acordo com o esperado para a idade. Além disso, demais procedimentos cirúrgicos futuros serão necessários para ajustes estéticos.
As cirurgias foram um sucesso e um grande marco para a medicina no Brasil, sendo o auxílio do SUS essencial para que os procedimentos fossem realizados.